quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Alice

Alice não sabia.

Acordou numa manhã quente de verão e já não sabia mais. O que fazia no mundo. Aquela sensação de estranheza que a acompanhava mansa, desde a infância, de repente rasgou seu peito com garras afiadas e lentas. Se sentiu devassada e perdida, completamente aturdida. Olhava em volta e via a mediocridade ganhando espaço. A superficialidade havia se alastrado como um vírus global, e Alice sentia como se tivesse sido de um dia pro outro. Se olhava no espelho e não havia mudado.

Agora ela se dava conta.

Que nesses anos todos ela foi sobrevivendo, apenas. E Alice não queria mais sobreviver. Ela queria a liberdade, poder colocar pra fora a sensibilidade sem ser taxada como louca, dramática. Alice queria um amor de verdade, não os de filmes e novelas com frases perfeitas, mas um amor de final de dia, de poder se encontrar no olhar de alguém. E também se perder nesse olhar.

Alice queria asas.

E foi sentindo nojo do mundo, da realidade. E foi se sentindo suja, cada vez mais suja, a cada segundo mais suja. E Alice nasceu numa manhã de inverno, quando havia caído uma forte geada na madrugada de Curitiba. E a cidade amanheceu branca, cristalina. Alice nasceu numa manhã de cristal, era a história que sua avó Lu contava.

Quando Alice partiu, no meio de uma tempestade de verão, no final da tarde, ela não desistiu de viver. Ela partiu pra ganhar asas. Ela se foi pra viver. Porque estava cansada de sobreviver.

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