Os passos eram lentos. Havia um peso de dez trens nos seus ombros. Os olhos passeavam pelo corredor e quando finalmente chegou na porta do quarto de Ricardo, ela estanca. Se lembrou da última vez que tinha entrado naquele quarto, há dois anos atrás, quando ele ainda estava prestando vestibular. Pensa se realmente precisa fazer isso. Se não pode deixar pra outra pessoa. Por dois segundos ela vacila. Mas ela sabe que tem que entrar.
Agora ela se sente ridícula com a sua própria ingenuidade.
Agora ela não sabe mais quem era o rapaz que morava ali, debaixo daquele teto.
Agora ela não sabe mais nada.
Agora ela estava ali, no lugar que era só dele, tentando entender como tudo tinha acontecido. A cama estava desarrumada, seguindo o padrão de todo o quarto. Nada ali lembrava o menino que estampava a maior parte dos porta-retratos da casa. As roupas estavam espalhadas pelos móveis. Os cds estavam espalhados pelo chão, que agora era molhado pelas lágrimas discretas que caíam quase em câmera lenta do rosto de Heloísa.
Na mesa do computador, dois boletos da faculdade
e são dois meses de atraso
e já fazem dois dias que Ricardo não está mais lá
e são só dois minutos que Heloísa suporta ficar ali.
Também em dois minutos, Ricardo e mais quatro amigos espancaram um homossexual até a morte.
No jornal da noite, a empregada Rute vê o repórter dizendo que o pedido de habeas corpus de Ricardo fora negado. Rute não sabia direito o que era habeas corpus, mas entendeu que o menino que a ignorou por 15 anos dentro daquele lar iria continuar preso. Rute só achou estranho quando a apresentadora se referiu aos assassinos do homossexual como "Grupo de jovens de Botafogo" e em uma outra notícia sobre roubo de carros no bloco seguinte, a mesma apresentadora falou em "Marginais da Baixada."
Forte! Escrita impecável, parabéns.
ResponderExcluirNossa! Lindo! Surpreendente em cada parte! E de escrita impecável mesmo! Parabéns!
ResponderExcluirAmeiiii
ResponderExcluirEsse monólogo é tão profundo